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domingo, 4 de dezembro de 2011

O mundo hoje amanheceu mais triste - menos justo, menos culto.

Sócrates fez história; livre pensador, formador de opinião: visionário, alguém muito além de seu tempo. Foi médico, jogador de futebol e articulista - culto, diferentemente da grande maioria tinha opinião própria e era extremamente politizado. Lutou contra o regime de exceção democrática que se instalou no Brasil (ditadura) à sua maneira.
Contestador, foi um dos articuladores da Democracia Corintiana, líder e capitão da melhor Seleção Brasileira de Futebol de todos os tempos, a de 1982 - tempos em que o futebol ainda era um magnífico e apaixonante esporte e se jogava também por amor à camisa, não ao dinheiro.
O Brasil perdeu um de seus maiores jogadores de futebol em todos os tempos e sem sombra de dúvida um de seus grandes cidadãos: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira - O Doutor Sócrates.
Sócrates Brasileiro, meu ídolo de infância no futebol e exemplo de livre pensador.
Sócrates Brasileiro: brasileiro até no nome: seu legado é eterno.

sábado, 15 de outubro de 2011

Sobre Meninos e Cães

Minha opinião sobre a vitória de Gabriel Medina e o infeliz incidente ocorrido via twiter entre Kelly Slater x "Pedro Scooby".

"Os cães ladram, a carruagem passa" - assim diz o ditado popular.
O fato é que o menino fez o que homens não fizeram, e alguns "cães", sem ter o que dizer, latiram. Porque latir é próprio de cães, que o fazem para chamar a atenção.
... Gabriel Medina foi homem em todos os sentidos no seu dia, que por obra do destino aconteceu no Dia das Crianças.
Ele se tornou homem no dia em que as crianças têm o aval dos pais para serem crianças, e brincarem. E ele brincou, se divertiu, foi feliz. Gabriel Medina foi a criança mas feliz do mundo no dia das crianças.
Achei tão pobre e rasteira essa provocação desse "ilustre" namorado dessa "ilustre" atriz...
Por conta de comentários como esse vemos cada vez mais adolescentes raivosos na internet, falando absurdos e pregando a violência.
Alguém deve dizer para esses meninos que surf nada tem a ver com violência. Surf é harmonia, é paz, é, sobretudo, a alegria de poder deslizar por sobre as ondas.
E em competições, ganhar ou perder faz parte do jogo.
A nós que estamos de fora, como expectadores, vendo esse momento histórico - o nascimento de um homem - menino, Gabriel Medina - e talvez o encerramento de um ciclo, de uma lenda - Kelly Slater - nos resta bater palmas para o espetáculo e desprezarmos tudo aquilo que incita violência e empobrece a magia que nos é apresentada.
Scooby, faça um favor a si mesmo e a nós, brasileiros: mantenha-se calado ou aprenda a se comportar como um homem, como Medina fez. Você não é profundo, você não forma opinião, você não tem carisma. Você só tem uma namorada linda e acesso à internet.
Nada mais além disso.
Parabéns menino-homem Medina. Você é, definitivamente, um herói, um menino que se caminha a passos largos (a a aerials altos) em direção ao título mundial.

domingo, 13 de março de 2011

Apocalipse Motorizado



O que tem de pior nos carros é serem como castelos ou mansões à beira do mar: bens luxuosos inventados para o prazer exclusivo de uma minoria muito rica, os quais em concepção e natureza nunca foram direcionados para o povo. Ao contrário do aspirador de pó, do rádio, ou da bicicleta, que retêm seu valor de uso quando todos possuem um, o carro, como uma mansão à beira do mar, é somente desejável e útil a partir do momento que as massas não têm um. Por isso, tanto em concepção quanto na sua finalidade original o carro é um bem de luxo. E a essência do luxo é a de que ele não pode ser democratizado. Se todos puderem ter o luxo, ninguém obtém as vantagens dele. Do contrário, todos logram, enganam e frustram os demais, e é logrado, enganado e frustrado por sua vez.
Isto é de muitíssimo conhecimento comum no caso das mansões à beira mar. Nenhum político ousou ainda reivindicar que democratizar o direito às férias significasse uma mansão com praia particular para cada família. Todos compreendem que se cada uma entre 13 ou 14 milhões de famílias devessem usar somente 10 metros da costa, tomaria-se 140.000km de praia para que todos tivessem sua parte! Para dar a todos sua parte teria-se que cortar as praias em tiras pequenas – ou espremer tão fortemente as mansões – que seu valor de uso seria nulo e sua vantagem sobre um complexo hoteleiro desapareceria. De fato, a democratização do acesso às praias aponta a somente uma solução: a solução coletivista. E esta solução está necessariamente em guerra com o luxo da praia particular, que é um privilégio que uma minoria pequena toma como seu direito às custas de todos.
Agora, por que aquilo que é perfeitamente óbvio no caso das praias não é geralmente visto da mesma forma no caso do transporte? Como a casa de praia, um carro também não ocupa espaço escasso? Não priva os outros que usam as estradas (pedestres, ciclistas, motoristas de ônibus, etal.)? Não perde seu valor de uso quando todos usam os seus próprios? No entanto há uma abundância de políticos que insistem que cada família tem o direito ao menos a um carro e que é até encargo do “governo” tornar possível que todos possam estacionar convenientemente, dirijam facilmente na cidade, e possam viajar no feriado ao mesmo tempo que todos outros, indo a 70 mph nas estradas, às estações de férias.
A monstruosidade deste absurdo demagógico é imediatamente aparente, no entanto, mesmo a esquerda não desdém de recorrer a ela. Por que o carro é tratado como uma vaca sagrada? Por que, ao contrário de outros bens “privados”, ele não é reconhecido como um luxo anti-social? A resposta deve ser procurada nos dois aspectos seguintes da atividade de dirigir:
A massificação do automóvel efetua um triunfo absoluto do ideologia burguesa no nível da vida diária. Dá e sustenta em todos a ilusão de que cada indivíduo pode procurar o seu próprio benefício às custas de todos os demais. Leva ao egoísmo cruel e agressivo do motorista que em todos os momentos está figurativamente matando os “outros”, que aparecem meramente como obstáculos físicos à sua velocidade. Este egoísmo competidor e agressivo marca a chegada do comportamento universal burguês, e tem existido desde que dirigir tornou-se lugar comum. (“você nunca terá o socialismo com aquele tipo de pessoas”, um amigo alemão ocidental me disse, triste ao ver o espetáculo do tráfego de Paris).
O automóvel é o exemplo paradoxal de um objeto luxuoso que tem sido desvalorizado por sua própria propagação. Mas esta desvalorização prática não foi seguida ainda por uma desvalorização ideológica. O mito do prazer e benefício do carro persiste, embora se o transporte de massa fosse difundido, sua dominação seria golpeada. A persistência deste mito é explicado facilmente. A propagação do carro particular deslocou o transporte de massa e alterou o planejamento da cidade e da habitação de tal maneira que transfere ao carro o exercício de funções que sua própria propagação tornou necessárias. Uma revolução ideológica (“cultural “) seria necessária para quebrar este círculo. Obviamente não se deve esperar isto da classe dirigente (direita ou esquerda).
Permita-nos olhar mais de perto agora estes dois pontos.
Quando o carro foi inventado, ele o foi para prover poucos dos muito ricos com um privilégio completamente sem precedentes: viajar muito mais rapidamente do que todos os demais. Ninguém até então tinha sonhado com isso. A velocidade de todas as carroças era essencialmente a mesma, fosse você rico ou pobre. As carruagens dos ricos não eram mais velozes do que as carroças dos camponeses, e trens carregavam todos na mesma velocidade (não possuíam velocidades diferentes até eles começarem a competir com o automóvel e o avião). Assim, até a virada do século, a elite não viajava em uma velocidade diferente do povo. O carro a motor iria mudar tudo isto. Pela primeira vez as diferenças de classe foram estendidas à velocidade e aos meios de transporte.
Este meio de transporte no início parecia inacessível às massas – ele era muito diferente dos meios de transporte comuns. Não havia nenhuma comparação entre o carro a motor e os outros: o bonde, o trem, a bicicleta, ou a carroça. Seres excepcionais saíam em veículos com auto-propulsão que pesavam pelo menos uma tonelada e cujos órgãos mecânicos extremamente complicados eram tão misteriosos quanto escondidos das vistas. Um aspecto importante do mito do automóvel é que pela primeira vez as pessoas andavam em veículos particulares cujos mecanismos de funcionamento eram completamente desconhecidos deles, e cuja manutenção e alimentação tiveram que confiar a especialistas. Aqui está o paradoxo do automóvel: parece conferir aos seus proprietários liberdade ilimitada, permitindo que viajem quando e a onde quiserem em uma velocidade igual ou maior que a do trem. Mas de fato, esta aparência de independência tem por debaixo uma dependência radical. Ao contrário do cavaleiro, do carroceiro, ou do ciclista, o motorista iria depender para suprir combustível, assim como para o menor tipo de reparo, dos negociantes e dos especialistas em motores, lubrificação e ignição, e da possibilidade de troca das peças. Ao contrário de todos os proprietários anteriores de meios de locomoção, o relacionamento do motorista com seu veículo viria a ser aquele do usuário e consumidor – e não do proprietário e do mestre. Este veículo, em outras palavras, obrigaria o proprietário a consumir e usar uma gama de serviços comerciais e produtos industriais que somente poderiam ser fornecidos por um terceiro. A independência aparente do proprietário do automóvel apenas escondia a dependência radical real.
Os magnatas do petróleo foram os primeiros a perceber o ganho que poderia ser extraído da distribuição em escala do carro a motor. Se as pessoas pudessem ser induzidas a viajar em carros, eles poderiam vender o combustível necessário para movê-los. Pela primeira vez na história, as pessoas tornar-se-iam dependentes de uma fonte comercial de energia para sua locomoção. Haveriam tantos clientes para a indústria de petróleo quanto houvessem motoristas – e uma vez que haveriam tantos motoristas quanto houvessem famílias, a população inteira se transformaria em cliente dos comerciantes de petróleo. O sonho de todo capitalista estava a ponto de se realizar. Todos iriam depender para suas necessidades diárias de um produto que uma única indústria possuía em monopólio.
Tudo que se deveria fazer era deixar a população dirigir carros. Pouca persuasão seria necessária. Seria suficiente baixar o preço do carro usando a produção em massa e a linha de montagem. As pessoas atropelariam umas as outras para comprá-lo. Correriam sem perceber que estavam sendo conduzidas pelo nariz. O que, de fato, a indústria do automóvel lhes ofereceu? Apenas isto: “de agora em diante, como a nobreza e a burguesia, você também terá o privilégio de dirigir tão rápido quanto qualquer um. Em uma sociedade de carro a motor o privilégio da elite é tornado disponível a você”.
As pessoas se apressaram para comprar carros até que, quando a classe trabalhadora começou a os comprar também, os motoristas perceberam que haviam sido enganados. Tinha sido prometido a eles um privilégio de burgueses, tinham entrado em débito para adquiri-lo, e agora viam que qualquer um poderia também obter um. Qual é o gosto de um privilégio se todos puderem o ter? É um jogo de tolo. Pior, ele coloca todos em posição antagônica contra todos. A paralisação geral é criada por um engarrafamento geral. Quando todos reivindicam o direito de dirigir na velocidade privilegiada da burguesia, tudo pára, e a velocidade do tráfego da cidade cai vertiginosamente – em Boston como em Paris, Roma, ou Londres – abaixo daquele da carroça; no horário do rush a velocidade média nas estradas abertas cai abaixo da velocidade de uma bicicleta.
Nada ajuda. Todas as soluções foram tentadas. Todas elas terminam piorando as coisas. Não importa se elas aumentam o número de vias expressas, túneis, elevados, estradas de 16 pistas e estradas com pedágio na cidade, o resultado é sempre o mesmo. Quanto mais estradas a serviço, mais os carros as obstruem, e o tráfego da cidade torna-se mais paralisantemente congestionado. Enquanto houverem cidades, o problema permanecerá sem solução. Não importa quão larga e rápida uma superhighway seja, a velocidade na qual os veículos podem sair dela para entrar na cidade não pode ser maior do que a velocidade média nas ruas da cidade. Enquanto a velocidade média em Paris é 10 a 20 kmh, dependendo da hora, ninguém poderá sair delas em torno e na capital a mais do que 10 a 20 kmh.
O mesmo é verdadeiro para todas as cidades. É impossível dirigir a mais do que uma média de 20kmh na embaraçada rede de ruas, de avenidas, e de bulevares que caracterizam as cidades tradicionais. A introdução de veículos mais rápidos inevitavelmente atrapalha o tráfego da cidade, causando gargalos – e por fim uma paralisação completa.
Se o carro deve prevalecer, há ainda uma solução: livre-se das cidades. Isto é, enfileire-os por centenas de milhas ao longo de enormes estradas, fazendo delas subúrbios de estradas. Isto é o que está sendo feito nos Estados Unidos. Ivan Illich mostra a conseqüência deste modo: “O americano típico devota mais de 1500 horas no ano (que são 30 horas por semana, ou 4 horas por dia, incluindo domingos) a seu carro. Isto inclui o tempo gasto atrás do volante, andando e parado, as horas de trabalho para pagar por ele e para pagar pelo combustível, pneus, pedágios, seguro, bilhetes e taxas. Deste modo ele toma deste americano 1500 horas para andar 6000 milhas (no curso de um ano). Três milhas e meia custam-lhe uma hora. Nos países que não têm uma indústria do transporte, as pessoas viajam exatamente nesta velocidade a pé, com a vantagem que podem ir onde quiserem e de não estarem restritas às estradas de asfalto”.
É verdade, Illich aponta, que em países não-industrializados a viagem usa somente 3 a 8% do tempo livre da pessoa (que é aproximadamente duas a seis horas na semana). Assim uma pessoa a pé anda tantas milhas em uma hora gasta em viagem quanto uma pessoa em um carro, mas devota 5 a 10 vezes menos tempo na viagem. Moral: Quanto mais difundidos veículos rápidos estão dentro de uma sociedade, mais tempo – a partir de um determinado ponto – as pessoas gastarão e perderão viajando. Isto é um fato matemático.
A razão? Nós acabamos de vê-la: As cidades foram divididas em infinitos subúrbios de estrada, porque esta era a única maneira de evitar o congestionamento em centros residenciais. Mas o lado oculto desta solução é óbvio: finalmente as pessoas não podem se deslocar convenientemente porque estão distantes de tudo. Para construir espaço para os carros, as distâncias foram aumentadas. As pessoas vivem longe de seu trabalho, longe da escola, longe do supermercado – que requer então um segundo carro para que as compras possam ser feitas e para as crianças irem à escola. Passeios? Fora da questão. Amigos? Há os vizinhos… e só. Na análise final, o carro desperdiça mais tempo do que economiza e cria mais distâncias do que supera. Naturalmente, você pode ir ao trabalho a 60 mph, mas isto porque você vive a 30 milhas de seu trabalho e está disposto a dar meia hora às últimas 6 milhas. Somando tudo: “uma boa parte do trabalho diário é gasto para pagar pela viagem necessária para ir ao trabalho”. (Ivan Illich).
Talvez você esteja dizendo, “mas ao menos desta maneira você pode escapar do inferno da cidade após o fim do dia de trabalho”. Lá nós estamos, agora nós sabemos: “a cidade”, a grande cidade que por gerações foi considerada uma maravilha, o único lugar que vale a pena viver, é considerada agora um “inferno”. Todos querem escapar dela para viver no campo. Por que esta reversão? Por uma única razão. O carro fez a cidade grande inabitável. A fez fedorenta, barulhenta, sufocante, empoeirada, congestionada, tão congestionada que ninguém quer sair mais de tardinha. Assim, uma vez que os carros mataram a cidade, nós necessitamos carros mais rápidos para fugir em superestradas para os subúrbios que estão ainda mais distantes. Que argumento circular impecável: dê-nos mais carros de modo que nós possamos escapar da destruição causada pelos carros.
De um artigo luxuoso e uma marca de privilégio, o carro transformou-se assim numa necessidade vital. Você tem que ter um para escapar do inferno urbano dos carros. A indústria capitalista ganhou assim o jogo: o supérfluo tornou-se necessário. Não há mais a necessidade de persuadir as pessoas de quererem um carro; sua necessidade é um fato da vida. É verdadeiro que alguém possa ter suas dúvidas ao prestar atenção à fuga motorizada ao longo das estradas do êxodo. Entre 8 e 9:30 da manhã., entre 5:30 e 7 da tarde, e em fins de semana por cinco ou seis horas as rotas de fuga se prolongam nas procissões de para-choque-à-para-choque que vão (no máximo) à velocidade de um ciclista e em uma nuvem densa de emanações da gasolina. O que sobra das vantagens do carro? O que é deixado quando, inevitavelmente, a velocidade superior nas estradas é limitada exatamente pela velocidade do carro mais lento?
Nítido suficiente. Após ter matado a cidade, o carro está matando o carro. Prometendo a todos poderem andar mais rapidamente, a indústria do automóvel termina com o resultado previsível de que todos tem que andar tão lentamente quanto o mais lento, em uma velocidade determinada pelas leis simples da dinâmica dos fluidos. Pior: sendo inventado para permitir que seu proprietário vá a onde deseja, na velocidade e tempo que deseja, o carro transforma-se, de todos os veículos, no mais servil, perigoso, não dependente e incômodo. Mesmo se você deixa uma extravagante quantidade de tempo, você nunca sabe quando os gargalos o deixarão chegar lá. Você está limitado à estrada tão inexoravelmente quanto o trem a seus trilhos. Não mais do que o viajante de trem, pode você parar em um impulso, e como o trem você deve ir em uma velocidade decidida por outra pessoa. Concluindo, o carro não tem nenhuma das vantagens do trem e possui todas as suas desvantagens, mais algumas próprias: vibração, espaço apertado, o perigo dos acidentes, o esforço necessário para dirigi-lo.
No entanto, você pode dizer, as pessoas não tomam trem. Claro! Como poderiam? Você já tentou alguma vez ir de Boston a New York de trem? Ou de Ivry a Treport? Ou de Garches a Fountainebleau? Ou de Colombes a l’Isle-Adam? Você tentou em um sábado ou domingo de verão? Bem, então tente e boa sorte! Você observará que o capitalismo do automóvel pensou em tudo. Tão logo o carro matou o carro, ele fez com que as alternativas desaparecessem, tornando compulsório, deste modo, o carro. Assim, primeiramente o estado capitalista permitiu que as conexões de trilho entre as cidades e o campo circunvizinho se deteriorassem, e então acabou com elas. As únicas que foram poupadas foram as conexões inter-municipais de alta velocidade que competem com as linhas aéreas para uma clientela de burgueses. Há um progresso para você!
A verdade é que ninguém tem realmente qualquer escolha. Você não é livre para ter um carro ou não porque o mundo dos bairros é projetado em função do carro – e, cada vez mais, é assim o mundo da cidade. É por isso que a solução revolucionária ideal, que é afastar o carro em proveito da bicicleta, do ônibus, e do bonde, não é sequer mais aplicável nas cidades grandes como Los Angeles, Detroit, Houston, Trappes, ou Bruxelas, que são construídas por e para o automóvel. Estas cidades estilhaçadas são formadas por alinhadas ruas vazias possuindo desenvolvimentos idênticos; e sua paisagem urbana (um deserto) diz, “estas ruas são feitas para se dirigir tão rapidamente quanto possível do trabalho para casa e vice-versa. Você anda através daqui, você não vive aqui. No fim do dia de trabalho todos devem permanecer em casa, e qualquer um encontrado na rua depois do anoitecer deve ser considerado suspeito de ‘fazer o mal’”. Em algumas cidades americanas o ato de dar uma volta nas ruas à noite é vista como suspeita de crime.
Então estamos fritos? Não, mas a alternativa ao carro terá que ser abrangente. Para que as pessoas possam abandonar seus carros, não será suficiente lhes oferecer um transporte de massa mais confortável. Terão que poder dispensar o transporte por se sentirem em casa nos seus bairros, nas suas comunidades, nas suas cidades de tamanho humano, e por sentirem prazer em andar do trabalho para casa a pé, ou se preciso for, de bicicleta. Nenhum meio de transporte e fuga veloz jamais compensará a vexação de viver em uma cidade inabitável na qual ninguém se sente em casa, ou a irritação de somente ir à cidade para trabalhar ou, por outro lado, de estar sozinho e dormir.
“As pessoas”, escreve Illich, “quebrarão as correntes do domínio do transporte quando voltarem a amar, como se fosse seu próprio território, seu próprio ritmo particular, e temer ficar demasiado distante dele”. Mas a fim de amar “o seu território” ele deve antes de mais nada ser habitável, e não congestionável. O bairro ou a comunidade devem novamente transformar-se em um microcosmo esculpido por e para todas as atividades humanas, onde as pessoas possam trabalhar, viver, relaxar, aprender, se comunicar, e discutir sobre ela, e no qual elas controlem conjuntamente como o lugar de sua vida em comum. Quando alguém lhe perguntou como as pessoas gastariam seu tempo após a revolução, quando o desperdício capitalista tivesse sido eliminado, Marcuse respondeu, “nós traremos à baixo as grandes cidades e construiremos novas. Isso manter-nos-á ocupados por enquanto”.
Estas novas cidades poderiam ser federações de comunidades (ou de bairros) cercadas por cinturões verdes nos quais cidadãos – e em especial crianças em idade escolar – passariam diversas horas da semana cultivando os alimentos frescos de que necessitam. Para se locomoverem todos os dias poderiam usar todos os tipos do transporte adaptados a uma cidade de tamanho médio: bicicletas, bondes ou bondes elétricos municipais, táxis elétricos sem motoristas. Para longas viagens no país, assim como para convidados, uma quantidade de automóveis comunais estaria disponível em garagens do bairro. O carro não seria mais uma necessidade. Tudo teria mudado: o mundo, a vida, as pessoas. E isto não virá por si só.
Entretanto, o que deve ser feito para se chegar lá? Sobretudo, nunca faça do transporte um assunto em si mesmo. Conecte-o sempre ao problema da cidade, da divisão social do trabalho, e à maneira que isto compartimentaliza as muitas dimensões da vida. Um lugar para o trabalho, outro para “viver”, um terceiro para as compras, um quarto para aprender, um quinto para entretenimento. A maneira que nosso espaço é arranjado dá continuidade à desintegração das pessoas que começa com a divisão de trabalho na fábrica. Corta uma pessoa em fatias, corta nosso tempo, nossa vida, em fatias separadas de modo que em cada uma você seja um consumidor passivo a mercê dos comerciantes, de modo que nunca lhe ocorra que o trabalho, a cultura, a comunicação, o prazer, a satisfação das necessidades, e a vida pessoal podem e deveriam ser uma e mesma coisa: uma vida unificada, sustentada pelo tecido social da comunidade.

Le Sauvage, Setembro-Outubro de 1973

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O rejuvenescimento do ser na era do ter.



Outro dia, fui surfar com um amigo meu, que já surfou bem nos anos 80/90, mas ele estava totalmente fora de forma. Pai de uma filha, advogado e acima do peso, estava sem remada alguma, sem rip, há meses sem molhar a prancha Joca Secco (já empoeirada) na água.

Após ter colocado "pilha" para a sua volta triunfante ao surfe, ele aceitou meu convite e fomos surfar no meio da Barra, Rio de Janeiro. As ondas, nas séries, tinham cerca de 1 metro e meio e abriam (algumas fechavam, vamos ser francos) com pouco vento e maré cheia.

Não foi tão fácil, pois ele estava fora do rip. Há uma espécie de sintonia com as ondas, ou você se encaixa, se acha no mar, ou não, fica boiando, meio perdido, sem ação. O mar te cobra atitude, decisões imediatas e remada em dia.

É o famoso binômio ônus & bônus: Sem remada, sem recompensa. Com remada, com êxito na performance.
Ricardo Martins, um grande e conhecido shaper carioca, declarou há muitos anos (nunca me esqueci disso): "Você deve manter a remada em dia, surfando (quando der) mesmo nos dias horríveis, para poder surfar bem nos dias bons e perfeitos. Sem remada, não há muito prazer nesse esporte, pois você apanha o tempo todo do mar, que passa a ser um incômodo."

Creio que duas ou três vezes por semana (quando muito) é suficiente para que um pai de família, trabalhador, mantenha a sua remada em dia.
Falo de surfistas um pouco mais experientes, mas que não ficam na areia moscando, enquanto a vida passa. Estudamos, trabalhamos, educamos os nossos filhos, mas o segredo da energia/inspiração/motivação para o dia-a-dia é através do rejuvenescimento dentro d'água, em contato direto com a mãe natureza. Um mês fora d'água, nem pensar. 10 DIAS sem surfar, você já deve ficar preocupado e ligar o alerta vermelho para não ficar enferrujado, oxidado.

Quando mais ferrugem, menor a motivação de voltar ao surfe. Você cai numa espécie de marasmo, de acomodação perigosa. Daí vem a barriga de chopp, a falta de ânimo, o stress, a fadiga, enfim, a falta de vibração/energia do ser.

Vem a bola de neve de conseqüências ruinosas. Sem rip, sem inspiração, sem metas e sem sonhos, a vida fica mais pesada, mais depressiva e desgastante.
Por isso, não deixe a vida te levar. Não se leva nada dela também, mas você pode levá-la mais leve. Os momentos ficam, as ondas passam e o tempo voa.

Cedo ou tarde, sua jornada chegará ao fim. Não fique pensando muito, parado e inerte, pois, assim, jamais sairá do lugar. Você pode dar o primeiro passo, colocar a prancha no carro, tomar uma atitude e voltar a surfar.
Mas só voltar ao esporte não basta.

Lembrem-se de que é preciso manter o rip. Surfe é rip.

Vi no Chasing the Lotus

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Porque o Brasil vai perder (ou deveria) a Copa do Mundo


A seleção brasileira sacramentou a perda da Copa de 2010 durante a vitória de 3 a 1 sobre a Costa do Marfim. Parece incrível mas foi durante aqueles 90 minutos – no segundo confronto somente – que ficaram evidentes o despreparo para enfrentar situações adversas, a incompetência para gerir crises, a incapacidade para liderar subordinados, além do destempero e a incompetência para administrar as coisas do esporte.

Difícil acreditar que uma confederação – cinco vezes campeã do mundo – tenha escolhido tão mal uma comissão técnica. A começar pelo treinador que, logo no início da competição, se comportou como um torcedor alucinado – praticamente um “hooligan” – pronto para agredir e ofender quem quer que fosse e, ao mesmo tempo, incapaz de determinar os rumos do jogo contra um adversário – convenhamos – sem qualquer tradição e já derrotado.
Agitando-se à beira do campo como um touro de rodeio, aquele que deveria liderar e mover suas peças de acordo com as necessidades que o confronto exigisse deixou transparecer que não faz nem uma coisa nem outra – nem lidera nem move peças – uma vez que foi impedido pelo supervisor da CBF de substituir um nervosíssimo Kaká no instante em que o jogador era punido com um cartão amarelo. A expulsão do atleta viria cinco minutos depois.

Nesse instante cabem as perguntas: Se o treinador vive dizendo que manda na seleção como acatou a ordem de Américo Faria? Quem manda no time afinal?
Uma vez que o Comitê Disciplinar da Fifa não encontrou provas para abrir um processo contra o técnico brasileiro, é certo que a CBF as tem. E deveria seguir o que os franceses fizeram – embora a situação entre eles lá seja até mais grave.

Mas é preciso tomar medidas disciplinares contra alguém que ofende indiscriminadamente juízes, jogadores e jornalistas – neste último caso durante uma entrevista coletiva oficial, diante de câmeras e microfones do mundo inteiro. Para quem não sabe, o jornalista ofendido foi, no passado, comissário de bordo de avião de degredados e deportados – gente da pior espécie que viajava algemada. Não raro – como certa vez me contou – Alex Escobar ouvia ofensas e ameaças nos mais variados idiomas. Era fuzilado por olhares e caras feias. Presenciou diversos acessos de fúria de apátridas e terroristas. Ser chamado em português apenas de “cagão” – e outras bobagens – não o assustou mas, certamente, o surpreendeu.
É mesmo de causar espécie constatar que alguém tão autocentrado – e que enxergue a todos como inimigos – ocupe um cargo que requeira um mínimo de simpatia, inteligência emocional, equilíbrio, malandragem e jogo de cintura – também no trato com a imprensa. Impossível assistir a isso tudo sem citar o efeito positivo que Maradona causa nos argentinos em geral e em seus jogadores em particular. Suas entrevistas são carregadas de ironias e factóides inteligentes, de um patriotismo saudável – mesmo que sobrem alfinetadas para nós brasileiros de vez em quando – sempre com o objetivo de promover o espetáculo.

Carlos Alberto Parreira, por sua vez, tão educado quanto matreiro, transformou o interesse sul-africano pela bola numa grande paixão. Lidera uma seleção capaz de vencer a seleção francesa, por exemplo.
Está claro que não se pode ganhar todas as edições de Copas do Mundo – nós brasileiros não entendemos isso muito bem – mas a beleza do futebol é um pouco mais que o grito de gol, o toque bonito, o drible desconcertante ou a jogada de efeito. Está na elegância de respeitar os adversários, na festa apresentada no estádio ou nas ruas, no intercâmbio entre as culturas e – no caso dos treinadores – no trato educado com os jornalistas – que estudaram para fazer perguntas desconcertantes e buscar o contraditório.
Quanto ao nosso treinador, parece alguém transtornado por uma mania de perseguição – que acabou se tornando real por sua postura, sempre agressiva e arredia. Se ganhar a Copa fará disparos em todas as direções como o dono da verdade única e absoluta: o único campeão – a despeito da imprensa e dos brasileiros que adoram Ronaldinho e Neymar. Nota zero em maturidade emocional e educação. Quando esse moço aparecer de novo na TV vou tirar minha filha da sala.

Escrito por: Claudio Carneiro, no Opinião e Noticia

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

...sobre relacionamentos...



Uma relação tem que servir para tornar a vida dos dois mais fácil.
Vou dar continuidade a esta afirmação porque o assunto é bom, e merece ser desenvolvido.
Algumas pessoas mantém relações para se sentirem integradas na sociedade, para provarem a si mesmas que são capazes de ser amadas, para evitar a solidão, por dinheiro ou por preguiça. Todos fadados à frustração.Uma armadilha.
Uma relação tem que servir para você se sentir 100% à vontade com outra pessoa, à vontade para concordar com ela e discordar dela, para ter sexo sem não-me-toques ou para cair no sono logo após o jantar, pregado.
Uma relação tem que servir para você ter com quem ir ao cinema de mãos dadas, para ter alguém que instale o som novo, enquanto você prepara uma omelete, para ter alguém com quem viajar para um país distante, para ter alguém com quem ficar em silêncio, sem que nenhum dos dois se incomode com isso.
Uma relação tem que servir para, às vezes, estimular você a se produzir, e, quase sempre, estimular você a ser do jeito que é, de cara lavada uma pessoa bonita a seu modo.
Uma relação tem que servir para um e outro se sentirem amparados nas suas inquietações, para ensinar a confiar, a respeitar as diferenças que há entre as pessoas, e deve servir para fazer os dois se divertirem demais, mesmo em casa, principalmente em casa.
Uma relação tem que servir para cobrir as despesas um do outro num momento de aperto, e cobrir as dores um do outro num momento de melancolia, e cobrirem o corpo um do outro, quando o cobertor cair.
Uma relação tem que servir para um acompanhar o outro no médico, para um perdoar as fraquezas do outro, para um abrir a garrafa de vinho e para o outro abrir o jogo, e para os dois abrirem-se para o mundo, cientes de que o mundo não se resume aos dois.

Dr. Drauzio Varela

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Imaginação em bloco

Natal de 1996. Ganhei de presente do meu pai minha primeira prancha de surfe. Era uma velha Hidrojets amarela com mais furos do que uma peneira, mas que foi o suficiente para aprender a ficar de pé e não parar mais.

O tempo passou e fui aprendendo algumas coisas. No entanto, depois de quebrar e perder o bico de uma prancha comprada do aussie Richie Lovett anos atrás (aquele mesmo que lutou recentemente contra um sério câncer no quadril), percebi que algo novo tinha acabado de acontecer.

A descoberta Aquela 6’1” legalzinha, mas já meio pisoteada e sem bico, sem querer, tinha ficado boa pra caramba. O que teria acontecido?

Fiquei me indagando a respeito disso, e acabei chegando à conclusão de que o formato das pranchas que sempre usei nunca mudara, à exceção de tamanhos e rabetas.

Muito provavelmente, isso era reflexo do fato de ter começado a surfar numa época em que a “Thruster” já era consolidada como a última tecnologia em pranchas de alta performance. Outra grande influência foi o convívio com meu primeiro shaper “interino”, o carioca Braz Barros, um dos poucos artesãos remanescentes de uma época em que as pranchas eram feitas totalmente à mão, e que tem como especialidade justamente pranchas de linha com essa característica.

Primeiro contato com outros shapes
Passado um tempo, fiz minha primeira surf trip internacional para o Peru, país vizinho e de fácil acesso. E foi exatamente lá que tive minha primeira experiência com outras formas de prancha.

Em Señoritas, tinha um cara quebrando muito com uma fish biquilha. O sujeito fazia a linha da onda tão rápido que parecia estar literalmente voando.

Isso me influenciou tanto que, logo que voltei ao Brasil, pedi ao Braz que fizesse minha primeira prancha diferente. A prancha remava muito, era veloz e solta, mas rendeu bem menos nas fechadeiras de Ipanema do que nas longas linhas peruanas. Era exatamente o que eu precisava para me motivar ainda mais!

Hawaii das muitas pranchas A minha real revolução das pranchas se deu quando fui morar na Meca e berço do surfe: o Hawaii. Lá, vi de tudo um pouco.

Havia uns “coroinhas” que faziam a mala da garotada em Sunset com gunzeiras monoquilhas. Tinha também uns doidos surfando Waimea e Pipeline com pranchas de madeira, além dos caras da Lost filmando o “Redux” com pranchas do tamanho de bodyboards. Eram tubos surfados com pranchas sem quilha, pranchas de remada, que também serviam para longas travessias nos dias flat de verão. Enfim, valia de tudo.

O importante era estar na água, curtir mesmo sem prancha e embarcar ao máximo naquela experiência.  A cultura surf no Hawaii é tão grande que absorvi bastante informação sobre diferentes tipos de prancha.

Quiver dos sonhos Com bastante trabalho consegui ter acesso a um quiver bem sortido, e entender que cada condição tem seu equipamento mais indicado. A oportunidade de ter pranchas fora do convencional faz toda a diferença em determinadas situações, além de ser a melhor resposta para o surfista inconformado com a mesmice do dia-dia. É o alimento pro surfe e pra alma também.

Experimentar pranchas “doidas” foi responsável por uma evolução tremenda. Testar bordas, fundos, rabetas e materiais diferentes como o isopor e a resina de epoxy me tornaram muito mais consciente do meu surfe. Saber que a área de uma prancha pode ser redimensionada traz todo o entendimento para ter uma prancha que renda muito mais.

Não tem preço perceber que, após alguns anos, aquela prancha sem bico não ficou “melhor” por simples crença! Sem uma área significativa todo o seu funcionamento foi refeito assim como seu peso, remada e pisada.

O papel das quilhas Não esquecemos também das quilhas, que são os lemes da prancha! Há um ano venho utilizando Future Fins e achei nesse sistema, consagrado lá fora, principalmente no surfe em ondas grandes e gigantes, a maneira mais fácil, rápida e sólida de testar diferentes “sets”.

Com jogos de todos os tipos para as mais diversas modalidades de pranchas se consegue testar uma gama enorme de combinações em um mesmo equipamento. É essencial para entender porque “quads” são mais rápidas, quilhas centrais mais presas e assim por diante.

Quanto mais surfamos ondas diferentes mais evoluímos, mas, na falta de tempo e dinheiro, uma simples mudança de equipamento pode se tornar o fator determinante para a evolução e satisfação, pelo menos foi o que aconteceu comigo.

Estar aberto às novidades e também às antiguidades sem medo de ousar foi o maior diferencial em todos esses anos de surfe. Aproveitar a presença de shapes gringos e de referência mundial, como Tokoro e cia., aqui em terras tupiniquins; observar que não necessariamente o que vem de fora é melhor ou pior, mas apenas diferente, e instigar meu shaper predileto a fugir da squash triquilha 6’0” de sempre e revolucionar, é o maior aprendizado possível!

O vídeo de link acima mostra uma rápida session no Grumari com a réplica de uma “Simmons” biquilha shapeada por Careca, da Shine Surfboards.

Bom surf e boas vibrações a todos!

Fonte: Omar Docena, via Waves

Blogs, twitter, Orkut e outros buracos

Não estou no "twitter", não sei o que é o "twitter", jamais entrarei nesse terreno baldio e, incrivelmente, tenho 26 mil "seguidores" no "twitter". Quem me pôs lá? Quem foi o canalha que usou meu nome? Jamais saberei. Vivemos no poço escuro da web. Ou buscamos a exposição total para ser "celebridade" ou usamos esse anonimato irresponsável com o nome dos outros.

Tem gente que fala para mim: "Faz um blog, faz um blog!" Logo eu, que já sou um blog vivo, tagarelando na TV, rádio e jornais... Jamais farei um blog, esse nome que parece um coaxar de sapo boi. Quero o passado. Quero o lápis na orelha do quitandeiro, quero o gato do armazém dormindo sobre o saco de batatas, quero o telefone preto, de disco, que não dá linha, em vez dos gemidinhos dos celulares incessantes.

Comunicar o quê? Ninguém tem nada a dizer. Olho as opiniões, as discussões "on line" e só vejo besteira, frases de 140 caracteres para nada dizer. Vivemos a grande invasão dos lugares-comuns, dos uivos de medíocres ecoando asnices para ocultar sua solidão deprimente.
O que espanta é a velocidade da luz para a lentidão dos pensamentos, uma movimentação "em rede" para raciocínios lineares. A boa e velha burrice continua intocada, agora disfarçada pelo charme da rapidez. Antigamente, os burros eram humildes; se esgueiravam pelos cantos, ouvindo, amargurados, os inteligentes deitando falação. Agora não; é a revolução dos idiotas "on line".

Quero sossego, mas querem me expandir, esticar meus braços em tentáculos digitais, meus olhos no "Google" ("goggles" - olhos arregalados) em órbitas giratórias, querem que eu seja ubíquo, quando desejo caminhar na condição de pobre bicho bípede; não quero tudo saber, ao contrário, quero esquecer; sinto que estão criando desejos que não tenho, fomes que perdi. Estamos virando aparelhos; os homens andam como robôs, falam como microfones, ouvem como celulares, não sabemos se estamos com tesão ou se criam o tesão em nós. O Brasil está tonto, perdido entre tecnologias novas cercadas de miséria e estupidez por todos os lados. A tecnociência nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas vivas, chips, pílulas para tudo, enquanto a barbárie mais vagabunda corre solta no país, balas perdidas, jaquetas e tênis roubados, com a falsa esquerda sendo pautada pela mais sinistra direita que já tivemos, com o Jucá e o Calheiros botando o Chávez no Mercosul para "talibanizar" de vez a América Latina. Temos de ‘funcionar’ - não de viver. Somos carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa. Assistimos a chacinas diárias do tráfico entre chips e "websites".

O leitor perguntará: "Por que esse ódio todo, bom Jabor?" Claro que acho a revolução digital a coisa mais importante dos séculos. Mas estou com raiva por causa dos textos apócrifos que continuam enfiando na internet com meu nome.

Já reclamei aqui desses textos, mas tenho de me repetir. Todo dia surge uma nova besteira, com dezenas de emails me elogiando pelo que eu "não" fiz. Vou indo pela rua e três senhoras me abordam: "Teu artigo na internet é genial! Principalmente quando você escreve: ‘As mulheres são tão cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...’ "Não fui eu...", respondo. Elas não ouvem e continuam: "Modéstia sua! Finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres! Mandei isso para mil amigas! Adoraram aquela parte: ‘Tenho horror à mulher perfeitinha. Acho ótimo celulite...’" Repito que não é meu, mas elas (em geral barangas) replicam: "Ah... É teu melhor texto..." - e vão embora, rebolando, felizes.

Sei que a internet democratiza, dando acesso a todos para se expressar. Mas a democracia também libera a idiotia. Deviam inventar um "antispam" para bobagens.

Vejam mais o que "eu" escrevi: "As mulheres de hoje lutam para ser magrinhas. Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!..." Luto dia e noite contra cacófatos e jamais escreveria "cós acaba!" Mas, para todos os efeitos, fui eu. Na internet, eu sou amado como uma besta quadrada, um forte asno... (dirão meus inimigos: "Finalmente, ele se encontrou...")

Vejam as banalidades que me atribuem:

"Bom mesmo é ter problema na cabeça, sorriso na boca e paz no coração!"

Ou: "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche!"

Ainda sobre a mulher: "São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades".

Há um texto bem gay sobre os gaúchos, há mais de um ano. Fui "eu", a mula virtual, quem escreveu tudo isso. E não adianta desmentir.

Esta semana, descobri mais. Há um texto rolando (e sendo elogiado) sobre "ninguém ama uma pessoa pelas qualidades que ela tem" ou outro em que louvo a estupidez, chamado "Seja Idiota!"...

Mas o pior são artigos escritos por inimigos covardes para me sujar.

Há um texto de extrema direita, boçal, xingando os brasileiros, onde há coisas como: "Brasileiro é babaca. Elege para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari. Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. Brasileiro é vagabundo por excelência. Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de R$ 90 mensais para não fazer nada não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo. Noventa por cento de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como ‘aviãozinho’ do tráfico para ganhar uma grana legal. Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora... O brasileiro merece! É igual a mulher de malandro - gosta de apanhar..."

E o pior é que muita gente me cumprimenta pela "coragem" de ter escrito essa sordidez.
Ou seja: admiram-me pelo que eu teria de pior; sou amado pelo que não escrevi.

Na internet, eu sou machista, gay, idiota, corno e fascista.

É bonito isso?

Arnaldo Jabor

Sou obrigado a concordar com o Jabor: acho o twitter  uma das coisas mais idiotas que já apareceram na Internet. Me perdoem aqueles que dele fazem uso, mas sinto muito - quando eu espirrar, ninguém precisa saber...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O inferno é o excesso de bem

Folheava com admirável assombro um livro de gravuras sobre o inferno.

Mundaréu agonizando castigos indescritíveis. Vítimas de chicotes, fogueiras e arreios. Mulas de pedra e dor. Um mar de cotovelos e joelhos estalando no precipício.

Os pais me emprestaram as pinturas para ficar com medo de pecar e só aumentaram a minha curiosidade.

Não levei a sério. Se fosse verdade, o masoquista faria reserva do caldeirão.

Discordo que o inferno seja a privação do que gostamos. A renúncia do que não valorizamos.

O inferno é o que a gente ama, mas em excesso.

Lembro da torta de nozes. Era apaixonado, comia uma fatia por noite durante anos. Botava guardanapo na gola para naufragar a barba no creme. Hoje não suporto o cheiro. Tortura seria me colocar dentro de uma vitrine repleta do doce. O mesmo ocorreu com a panelinha de coco, o alfajor, o chocolate em barra.

Alegria em demasia é tristeza. Quem repete três vezes seu prato predileto tem rosto de velório.

O paraíso é o bocado, o gole gostoso, o pouco intenso. Deixar o que se deseja para depois e nunca deixar o desejo.

As mulheres reivindicam homens românticos. Pedem escandalosamente um perfil gentil, amável, cordial, obediente, misto de agenda (capaz de lembrar todos os aniversários e datas comemorativas) e diário (que escreva poemas e preencha cartões floreados). Na hora em que encontram o sujeito sonhado, querem distância. Consideram a figura grudenta, gosmenta, tediosa. Resmungam que é muito submisso (se você vem sendo chamado de fofo pela namorada está a um passo do despejo)

Os homens procuram mulheres com irrefreável apetite sexual. Para ter sexo a cada turno. Sem enxaqueca, trabalho e preocupações familiares. Caso pudessem, adotariam arquitetura de motel no quarto com retrovisores na cama.

Pois quando se deparam com uma ninfomaníaca viram monges. Usam pijamas listrados. Decidem discutir a preliminar. Forram a cabeceira com dicionários. Revelam traumas de infância.

Torna-se insuportável trepar a cada quinze minutos e não terminar um pensamento inteiro. Não é mais questão de virilidade, é de sanidade. A transa depende da lembrança para renovar a imaginação.

Qualquer cinéfilo que assista a 12 horas de filmes fugirá da tela em branco. Qualquer médico que fique 36 horas de plantão desistirá de suas mãos.

O exagero do bem enjoa. O exagero do prazer é o inferno.

Fabrício Capinejar

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nat Young e o prenúncio das cordinhas

"Ponte" - imagem extraída do surfresearch.com.au

“Lembro de estar sentado com Russell e Garth pegando sol matinal em Lennox Head no inverno de 1972, em frente ao velho carro de Garth, e a conversa virou para as cordinhas (leg-ropes) porque alguém colocou uma na nossa frente. Era uma manhã como qualquer outra. Tinhamos avançado com o carro até que o córrego impedisse a passagem para Lennox Point. Como éramos surfistas competentes, tínhamos a opinião unânime de que cordinha era algo que os americanos usavam para passear com o cachorro, nunca para surfar. Só um prego usaria uma cordinha.
Nossa atitude era compartilhada pela maior parte do mundo do surfe em 1972, mas o fato é que estávamos todos tentando surfar cada vez mais no crítico das ondas. Eventualmente, querendo ou não, alguém botava um pé fora do lugar, caía, era atingido por uma prancha perdida.
Em um pico como Lennox, remendar a prancha depois do surfe era algo cotidiano e eu sempre levava resina no carro. Se necessário, eu recolocava uma quilha e voltava pra água em meia hora. Fazer remendos era parte da vida, algo que acontecia com todos os surfistas antes de 1974.
De qualquer jeito, nessa manhã de junho em particular, nossa atenção passou das ondas para um norte-americano recém-chegado chamado Bob Newlands. Parecendo extremamente primitivo, ele engatinhou pelas pedras com uma cordinha presa ao tornozelo, a outra ponta presa na quilha. A corda arrastava atrás dele, prendia nas pedras, ele fazia lento progresso quando uma onda da série quebrou sobre ele. Quase morremos de rir assistindo seu esforço em usar a prancha como apoio para pular das pedras. Finalmente ele chegou lá fora e dropou uma onda de bom tamanho. Como esperávamos, ele caiu após algumas viradas, mas em vez de ter de nadar até a prancha, simplesmente subiu de novo nela e voltou direto para pegar outra onda, e outra. Na verdade ele surfou até dizer chega sem nem pensar nas pedras. Finalmente a ficha caiu: quem eram os idiotas ali? Foi um prenúncio do que estava por acontecer – levou um ano e pouco, mas em algum momento entre 1972 e 1975 todo mundo passou a usar cordinhas, o tempo todo.”

*Traduzido do livro Nat’s Nat and That’s That - a surfing legend, de Nat Young.

Fonte: surf4ever

domingo, 10 de maio de 2009

Não interessa a ninguém

Ao acompanhar as reações de quase todos em relação ao episódio envolvendo o atacante Adriano, diante da notícia de seu afastamento por estar insatisfeito com os rumos de sua vida, lembrei-me de quando resolvi abandonar a minha aventura italiana.

Até hoje, acreditem, muitos consideram um absurdo minha decisão de voltar para a minha terra e o meu povo, deixando por lá um caminhão de dinheiro, algo em torno de 1 milhão e meio de dólares americanos. São os mesmos que jamais conseguirão entender que morar em Florença, o berço da Renascença, tomar na hora em que quiser um dos melhores vinhos do mundo, o Chianti, comer uma suculenta bisteca à Fiorentina, quando, como e onde preferir. Ou visitar cotidianamente, se conseguir, a galeria Degli Ufizzi e ver de perto o original da escultura Davi, de Michelangelo, e mil outras obras de arte. Jantar em um restaurante chiquérrimo na Piazzale, batizada com o nome do mestre, visitar as ruínas da civilização etrusca em Fiesole. Tudo isso ou ainda qualquer outro atrativo é NADA comparado ao que chamamos de felicidade.

Felicidade não é ter, e, sim, ser. É um estado de espírito e uma série de sentimentos concomitantes em que predominam a paz interior e a alegria de se sentir vivo e sabedor do que e de para que estamos aqui. Para tanto, temos de estar onde nos sentimos bem, com quem nos faz bem, envoltos em uma bruma que nos afague e acaricie e nos complete.

Felicidade está no sorriso de uma criança, bem ou malvestida, bem ou mal alimentada. Não em uma bolsa Louis Vuitton ou em um perfume igualmente francês. Felicidade está em sentir o frescor da brisa marinha ao lado da mulher ou do homem amado, caminhando despreocupadamente pela areia banhada pela água salgada. E não nas inúmeras horas passadas no cabeleireiro, falando mal dos outros e maquiando a si próprio. Ou apenas no prazer de se deleitar na leitura de um bom livro, ouvindo uma linda música. Ou em uma gostosa gargalhada escutada a dezenas de metros.

É certo que vivemos em uma sociedade viciada em consumo e que muitos dos que dela fazem parte pouco estão se lixando com a tal da felicidade.

Encontramos, justamente por esse motivo, tanta gente infeliz, mal-amada, mascarando o seu dia a dia, para, quem sabe, nele achar alguma coisa de útil ou prazeroso. Também é por isso que o amor pelos outros parece definitivamente em extinção, pois já não vemos um cavalheiro levantar para dar lugar a uma pessoa de idade, muito menos para uma dama jovial nos metrôs da vida.

Daí, contudo, a ficarem estarrecidos com a opção de um indivíduo em busca da felicidade é uma demonstração de acomodação completa com a própria escolha, o que os torna incapazes de enxergar a grandiosidade do gesto. Além do que, ele pode estimular pelo menos uma reflexão crítica das futuras gerações para, eventualmente, estas optarem por um comportamento mais realista e mais humano.

No entanto, para um fato como esse tornar-se uma ferramenta de educação social é preciso contemplar os dois lados da questão. Que se analisem com isenção os prós e contras de atitude tão radical. Respeitando-se, claro, as decisões pessoais, pois estas são indiscutíveis. Assim como Leandro decidiu não viajar para a Copa do Mundo realizada no México, jogando pela janela tudo o que conquistara e o futuro na profissão, em solidariedade ao colega Renato Gaúcho, que com ele havia ferido o dogma da “concentração-prisão” em determinada situação.

Solidariedade é uma ação comportamental que deveria ser eternamente valorizada, para o bem das relações sociais. E apenas energúmenos podem declinar de utilizar exemplos públicos como este para difundi-la no seio da sociedade. E foi o que infelizmente aconteceu.

A maior parte da mídia e, consequentemente, das pessoas que engolem qualquer “sapo” vindo da mesma sem ao menos usufruir de uma visão crítica – eternamente escondida no fundo de algum porão de suas personalidades – difundiu o episódio como se fosse um caso de homossexualismo barato, rebaixando-o ao menor nível possível, como é praxe dos preconceituosos e racistas, para não falar de coisa pior.

Deixemos, pois, Adriano seguir o caminho escolhido. Só a ele cabe essa decisão. Não divaguemos pelo desconhecido da especulação maldosa e vil, numa tentativa de arrasar um ser humano só porque este tomou uma estrada que causa aversão a tantos, já que não lhes foi dado o prazer de conhecê-la. Somos poucos, mas ainda acreditamos que viver bem passa necessariamente pela felicidade que podemos conquistar.

Sócrates

Ghandi me (ins)pira!

“Eu sou muçulmano! E sou hindu! E sou judeu! E sou cristão!”

Esta frase, colocada na boca de Gandhi em uma das cenas mais marcantes do filme que leva o seu nome, parece-me facilmente concebível na vida real do pacifista indiano.

Gandhi era hindu por criação. Durante certo tempo, no entanto, e devido fundamentalmente à sua formação como advogado, afastou-se bastante de suas raízes. Mais tarde, ao retornar à Índia, resgatou a espiritualidade de sua gente com ainda mais profundidade que nos tempos de infância e adolescência. Esta espiritualidade, familiarizada com a diversidade de um sem-número de tribos, permitiu uma pacífica e harmoniosa convivência durante séculos entre hindus e muçulmanos.

Liderado por Gandhi, o povo indiano venceu a luta contra o domínio britânico. Entretanto, e agora sem o apoio de Gandhi, hindus e muçulmanos perderam a guerra contra a cobiça e travaram uma batalha de irmãos contra irmãos, vizinhos contra vizinhos, parentes contra parentes. A antiga convivência harmoniosa tornou-se impossível graças ao anseio por poder: afinal, quem tomaria o lugar do Império Britânico e dominaria sobre todos? O resultado disto tudo, como sabemos, foi a divisão da Índia em Índia (destinada aos hindus) e Paquistão (destinado aos muçulmanos) e o assassinato de Gandhi.

Este foi o contexto em que Gandhi proferiu a frase citada. Gandhi não queria a divisão de seu povo. Ele não queria a divisão de seu país. Ele não queria a divisão dos seres humanos. Gandhi sabia que acima de nossas cabeças pendem os céus das diferentes religiões e que todos eles são de vidro. As diferenças são que alguns deles são mais extensos que os outros e que alguns permitem ver mais longe que os outros, isto é, alguns são mais translúcidos que os demais. Assim, mais do que crenças, o que nos une, Gandhi sabia, é nossa própria condição de limitados observadores e intérpretes da vida. É por isso que ele podia identificar-se não apenas como hindu, mas como muçulmano, como judeu e como cristão, pois identificava-se como e com o humano, em toda a sua limitação, parcialidade e desajuste.

Na abertura do filme consta uma citação de Einstein, onde ele diz, aproximadamente, que quando contássemos às gerações futuras a respeito de Gandhi, elas duvidariam que um homem assim tivesse caminhado sobre a terra. De fato, às vezes é mais fácil acreditar que uma divindade feita gente tenha andado entre nós do que admitir que um simples mortal como qualquer outro tenha se aproximado tanto da divindade. E isso tudo agora há pouco, no século passado.

Gandhi nos abre as portas para aquilo que em nossa própria humanidade e independentemente de nossa fé é mais aparentado com Deus. Gandhi defendeu e experimentou em sua própria vida aquilo que poucos depois de Cristo experimentaram: uma profunda reconciliação com a humanidade e com Deus. E é por isso que Gandhi nos desafia. É por isso que Gandhi nos denuncia. É por isso que Gandhi nos enlouquece. É por isso que ele nos inspira. Gandhi me (ins)pira.

Camila Hochmüller

terça-feira, 7 de abril de 2009

A crise é a uma benção!

“Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar superado. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais aos problemas do que às soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la.”

Albert Einstein

quarta-feira, 11 de março de 2009

Viver não é para amadores

Todos vivem em constante tensão. A vida é complexa, muitas vezes paradoxal e plena de riscos; não é um passeio despretensioso. Cada pessoa é responsável e, ao mesmo tempo, vítima das circunstâncias. Cada estrada que se escolha se desdobra em alguma bifurcação. Uma simples decisão gera desdobramentos mil. Os poetas, os místicos e os filósofos já perceberam o siso necessário para enfrentar a imensa aventura de viver. Todo instante é inédito e exige a precisão de um relojoeiro.

Viver não é para amadores. Tudo o que se faz produz ondas, iguais às de uma pedra jogada no meio da lagoa. As escolhas, semelhantes a círculos concêntricos, espalham-se. No caso da pedra, as marolas se dissolvem nas margens do lago. Com os humanos, as conseqüências se alastram para sempre. Ninguém tem o controle dos efeitos de suas escolhas, eles repercutirão eternamente.

Viver não é para amadores. Os pais influenciam os filhos e os filhos formam famílias. Tanto bondades como maldades se reproduzem por gerações. Crianças sofrem as seqüelas das famílias disfuncionais. Muitas, oprimidas por mães castradoras, não conseguem criar os filhos. Se os pais atinassem para a sua importância na formação emocional e nos valores éticos de seus filhos, menos pacientes procurariam clínicas psiquiátricas e menos penitenciárias seriam construídas.

Viver não é para amadores. Sem saber organizar os desejos, a vida pode se perder com projetos irrelevantes. Sem dar sentido ao cotidiano, a existência pode patinar no tédio. São necessários princípios, verdades e valores para direcionar o cotidiano. As pressões têm a capacidade de destruir quem não fizer escolhas responsáveis.

Viver não é para amadores. Os indivíduos precisam uns dos outros e se ferem ao mesmo tempo. O próximo pode ser fonte de alegria e de frustração. Empobrecem os que tentam isolar-se para não passarem por decepções. Não é possível resguardar-se do amigo sem perder o viço. Só viverá bem quem não considerar o outro a razão do seu inferno. O céu pertence aos que aprenderam a relevar as inadequações alheias. Só o longânimo tem chance de ser feliz.

Viver não é para amadores. A existência é imprevisível. Não há como controlar a história ou situar os eventos futuros dentro de qualquer lógica. Por mais que os religiosos prometam, os filósofos pretendam e os sociólogos estudem, a história não se prende aos trilhos do destino. De repente, sempre de repente, chega o improvável e nessa hora será preciso coragem para não desistir. A viagem rumo ao porvir requer brios.

Viver não é para amadores. Não é fácil equilibrar o lazer com o dever, o ócio com o trabalho. Muito lazer produz tédio; muito dever, estressa. A preguiça acompanha o ócio e a fadiga, o trabalho. O Eclesiastes avisou que há tempo para todas as coisas: “tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, tempo de cozer e tempo de rasgar, tempo de juntar e tempo de espalhar o que se juntou”. Portanto, só vive quem souber transitar entre acontecimentos tão contraditórios.

Viver não é para amadores. Depressão e riso, alegria e tristeza formam a história de cada um. Quem foge da tristeza acaba neurótico, em negação, à procura de um mundo ilusório. Por outro lado, quem não sabe rir termina inclemente, à caça de gente para povoar o seu purgatório.
Viver não é para amadores. O sofrimento do mundo dói muito e não é possível evitá-lo. Contudo, é preciso achar alegria para celebrar aniversários, casamentos e formaturas. Os que se blindam para não sentirem a dor universal, sucumbem cínicos. Já os inconformados com o sofrimento universal são atraídos pelo rancor.

Viver não é para amadores. O tempo passa velozmente carregando tudo e todos. A pior angústia? Ver a areia da ampulheta, o pêndulo do relógio, a avisar que o calendário escasseia. Alguns não se dão conta que jogam a vida no lixo. Vaidades e megalomanias são ladras dissimuladas. Eternizar cada instante parece um esconderijo onde mora o segredo da felicidade.

Viver, definitivamente, não é para amadores. Que ninguém se atreva a querer tocar a vida só. Portanto, “se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida”.

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondin

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Aloha, 2009!

Quando me dizem que não existe mais esquerda e direita, contesto com uma frase de Quino, o criador da Mafalda, quando perguntei numa entrevista qual era sua posição ideológica: “De que lado bate o coração?”. Pois meu lado esquerdo do peito deu pulos com a eleição do mulato chamado Barack Hussein Obama para a presidência dos Estados Unidos.

Para mim, a “América” sempre foi o país de Ernest Hemingway, Raymond Chandler e Jack Kerouac. De Easy Rider e dos hippies. De Bob Dylan e Johnny Cash. Do blues. Dos canyons e grandes desertos. De Rip Van Winkle. Dos cookies e tortas de maçã esfriando na janela. Das imensidões geladas que o jovem Tio Patinhas cruzou para garimpar suas primeiras pepitas de ouro. Em suma, um país maravilhoso que, em determinado ponto da história, tomou o caminho equivocado.

Não faz muito tempo, foi nos anos 60, com os assassinatos de Martin Luther King, John e Bob Kennedy. A partir dali a América que eu admiro deixou de existir. Degringolou. Foi piorando, piorando, até chegar ao fundo do poço e virar a terra de George W. Bush. A eleição de Obama me parece uma tentativa de resgatar a “boa” América perdida. Como se os americanos tivessem gritado ao mundo: “Ei, não somos tão imbecis quanto vocês pensam”.

Fiquei impressionada, devo admitir. Eu achava que suas mentes haviam ficado embotadas por tanta comida gordurosa. Adiposidade cerebral, só isso explica terem votado em Bush não uma, mas duas vezes. É quase inacreditável que essa mesma gente tenha elegido um cara cujo único defeito apontado pelos adversários seja ser elitista, intelectualizado, culto demais.
Barack e Michelle Obama, com suas lindas filhas, não só possuem “Kennedy material”, como dizem os gringos, como são negros cosmopolitas que chegam à Casa Branca depois de quatro mandatos de americanos redneck: Bush e o próprio Bill Clinton. Caipiras no pior sentido da palavra.

Surpreendentemente, os americanos resolveram experimentar um conterrâneo fora do comum, para dizer o mínimo: filho de queniano com americana branca, graduado com louvor em Harvard, e, para culminar, com Hussein no sobrenome. Trocaram o “gente como a gente” que Bush representava pela figura do sujeito acima da média, em termos culturais. Obama, não importa a cor de sua pele, é “gente melhor do que a gente”. É o anti-Homer Simpson. Além de tudo, está na cara que sua família come direito.

Mas o que há de mais legal no novo presidente dos Estados Unidos, na minha opinião, o que me enche de esperança de que ele vai ser, sim, essa cocada toda, é um só fato, a quem ninguém deu a devida importância: o cara é havaiano! Pega jacaré na maior categoria!

Acho que todo mundo sabe o que é pegar jacaré. Posicionar-se na onda quando ela está se formando, de tal maneira que você vem deslizando até chegar à praia, usando o corpo como prancha. Delícia. Pois então: não consigo acreditar que alguém que pega jacaré daquele jeito pudesse optar por entrar numa guerra, por exemplo. Quem pega jacaré é gente fina, não faz essas coisas. Alguns lembrarão que já tivemos um presidente desportista, e deu no que deu. Sem querer ofender quem curte aquele troço, mas não se pode comparar jacaré com jet-ski, pelo amor de Deus.

Taí, posso até estar sendo trouxa, mas confio em pessoas que sabem pegar jacaré. Vou pagar para ver. Aloha, 2009.

Cynara Menezes, via Carta Capital

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Batman e a Teologia do Medo

A arma mais eficiente de Batman não está guardada no seu uniforme, nem no seu carro, nem na caverna onde aprimora suas técnicas de luta. Também não é de outro planeta, como presente de um alienígena, nem foi desenvolvida nas modernas indústrias de Bruce Wayne. Veio com muito estudo e sem essa arma Batman não seria o mito que conhecemos.

Ela é tão eficiente que compensa a falta de capacidades extra-humanas. Usada até contra os aliados do herói, é unanimidade entre os roteiristas das histórias do personagem. Basta qualquer um se aproximar do homem-morcego para sofrer os efeitos dela.

A arma mais eficiente de Batman é o medo.

“Criminosos são supersticioso e covardes; então meu disfarce deve ser capaz de levar terror aos seus corações; eu devo me tornar uma criatura de noite, negra, terrível (...) Eu devo me tornar um morcergo.”

Essa frase clássica do herói está na sua origem. É assim que Bruce Wayne justifica sua decisão pelo uniforme do homem-morcego. Movendo-se pela escuridão, com habilidade alcançada por um treinamento intenso, Batman surpreende os marginais. Quando os encontra, se ainda estiverem conscientes, não vão conseguir esconder nada. Nem dinheiro, nem drogas, nem as mais sigilosa informação. Não é preciso ser rápido, nem selvagem.

Freqüentemente, o cavaleiro das trevas não diz nada. O medo invade o ambiente assim que sua presença é notada. Tem sido assim desde que ele começou sua jornada, como está registrado na história “Ano Um”:

“O uniforme funciona melhor do que eu esperava; eles ficam estarrecidos e me dão
todo o tempo do mundo”.

Parece que Batman fez escola, no cristianismo. Usar essa mesma arma também é uma habilidade que alguns líderes religiosos vêm desenvolvendo, à altura do herói dos quadrinhos. Do alto dos púlpitos, ou no interior de suas células familiares, plantam o medo no coração dos cristãos.

Encontram terreno fértil, assim como Batman, nos corações supersticiosos, que se movem longe das leis – da lei de Deus e da lei dos homens – e nas mentes pouco informadas. Ao contrário do herói, à luz do dia, sem vergonha alguma, pregam a barganha santa. É obedecer, cumprir, seguir, ofertar, cantar – para ganhar, crescer, alcançar, curar. Uma coisa tem sempre relação com a outra.

“Não recebeu a benção? Tome cuidado, examine sua vida! Tem aí um pecado não confessado!”
“Você continua caindo por causa do pecado? Vai brincando com Deus, um dia ele perde a paciência com você!”
“Deus está de olho em você, no que você está fazendo, e daí o que vai acontecer?”
“O diabo está ao seu redor, no seu trabalho, na sua casa, até aqui nossa igreja!”
“Não vem na igreja para ir ao cinema? Um dia Deus vai te cobrar isso!”

Tudo isso pode ser verdadeiro.

O temor de Deus aparece na Bíblia desde o Éden: “Respondeu-lhe o homem: 'Ouvi a tua voz no jardim e tive medo, porque estava nu; e escondi-me'” (Gênesis 3:10). Pelo Velho Testamento, o Senhor deixou claro que havia motivo para ser respeitado.

Alguns, pela falta de temor, sofreram. É verdade, o povo tinha medo de Deus. Até que Ele resolveu mostrar de que forma gostaria de se relacionar conosco. E o professor, o Mestre, foi o próprio Filho. Porque ninguém sabe mais a respeito de um Pai, que o filho que conviveu com Ele desde o começo de tudo.

E o que o Filho nos ensinou é que a nossa relação com Deus não deve ser orientada por medo. Temer ao Criador, como reconhecimento de sua grandeza e justiça, é um dever cristão. Porém viver como se a mão poderosa de Deus nos aguardasse atrás da porta, pronta a nos esmagar, e não houvesse solução alguma, é desprezar o sacrifício da cruz. O cristão tem que viver em santidade por amor a Deus, e não pelo medo de sua condenação.

Quando Jesus deu a vida por nós, colocando ao fim qualquer intermediação entre o ser humano e o Criador, também nos deu a chance de nos aproximarmos diariamente de uma fonte de perdão e amor.

Se você já foi a uma piscina, em um clube, deve lembrar que em alguns lugares só é possível entrar na água depois de caminhar por um tanque raso, para os pés, ou passar por um ducha, para o corpo. É quando somos lavados da gordura e da sujeira, para que isso não contamine a piscina.

Essa “teologia do medo” vive de pregar, enfaticamente, que nossos corpos vão sujar a água, e se esquece de defender o lavar maravilhoso que nos é oferecido para mergulharmos em profunidade na vida.

“No amor não há medo, antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor” (I João 4:18). Temos que trocar o medo pelo amor. O medo tem relação com o castigo e a culpa. E a culpa, às vezes, esconde uma frustração pessoal de não se alcançar uma perfeição religiosa.

Será que o nosso Deus não sabe que jamais seremos perfeitos? Será que nós não sabemos que é impossível alcançar um padrão de santidade, sem errar nunca? Será que o medo nos faz esquecer da benção que é receber o perdão de Deus?

“Pastor, não consegui, eu pequei novamente”, disse a mulher, assim que entrou no gabinete. Trazia um rosto de medo e arrependimento, e aguardava uma repreensão. O pastor respondeu com amor: “Glória a Deus, porque você reconhece isso; e saiba que não vai ser última vez que caiu, e quantas vezes ainda precisar você vai poder contar com o amor de Deus para lhe perdoar, e dar uma segunda chance. Não tenha medo”.

Deus no Gibi

Céu

Imagine a seguinte situação:

Você não é cristão, um amigo insiste para que você vá a igreja, e você aceita. O pastor fala sobre a morte e diz de uma maneira bem clara que o juízo é inevitável e que somente aqueles que "levantaram as mãos aceitando a Jesus como seu Salvador" irão para o céu, para louvar a Deus eternamente, andar em ruas de ouro e, e, e, e… muitas outras coisas maravilhosas. Os que não fizeram essa oração irão para o inferno, sofrer eternamente, levar espetada do diabo e nadar no lago de fogo. No final do culto o pastor faz uma pergunta: "Um dia você vai morrer, pra onde você quer ir? Você não quer hoje carimbar o seu passaporte para o céu? Você quer ser salvo?"

Convenhamos, qualquer pessoa com um pouco de amor próprio opta pelo céu, que de acordo com as definições usuais é um lugar extremamente chato. Nosso céu é impotente, talvez por isso falam tanto no inferno, potencializaram o terror do inferno, assim o céu, apesar de chato, torna-se a opção mais conveniente.

Certa vez li: "não podemos parar de falar no inferno, pois ele produz temor nas pessoas e assim elas aceitam a Jesus". Quer dizer que Jesus não tem qualidades suficientes? Para com isso, não podemos usar a maravilhosa mensagem do evangelho como moeda de troca ao inferno, Jesus não nos livra de um lugar, mas de algo maior: de uma maneira "infernal" de viver.

Jesus não tem apenas proposta para uma vida pós-morte, a mensagem cristã é que existe vida e vida em abundância antes da morte (Jo 10.10)

Salvação não é ir pro Céu, é seguir os passos do Mestre. Céu não é nosso destino final, nosso fim é Cristo. Não seremos felizes ao andar em ruas de ouro, seremos plenos de alegria quando o Nazareno for plenamente formado em nós.

Nossa missão não é lotar o céu, é povoar a terra de pessoas com significado existencial. Sinalizar o Reino não é "marchar para Jesus" e "pisar na cabeça do inimigo", mas é viver de modo que as pessoas vejam nossas boas obras e glorifiquem o Pai que está nos céus (Mt 5:16)

Porque sou cristão? Porque acredito em uma pessoa e o que essa pessoa sugere como vida é excelente.

Villy Camargo Fomin